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Vacinação pública contra HPV no Brasil, início 2014

 

Em 1º de julho deste ano, o Ministério da Saúde do Brasil (MS) anunciou que a partir do início do ano escolar de 2014 irá disponibilizar, na rede pública de saúde, vacinação contra HPV (Papilomavírus humano) com a vacina quadrivalente HPV 6, 11, 16, 18. Na ocasião, foi informado que a vacinação seria para meninas de 10 e 11 anos, no esquema vacinal, padrão de bula, 0 dia, 60 dias e 180 dias. Além da tradicional rede de unidades de saúde pública, divulgou-se que seria utilizada também a rede escolar. (http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/noticia/11613/162/ministerio-da-saude-incorpora-vacina-contra-hpv-ao-sus.html)

 

Ficamos felizes com essa iniciativa. Todavia, temos também motivos para preocupação.

 

O tema envolve assuntos relacionados à sexualidade, pois, em geral, HPV é transmitido por via sexual. Trabalhar com questões ligadas a sexo não é tarefa banal. Será necessário fornecer informações atuais, de qualidade e consistentes para as famílias, para os profissionais das escolas, para os profissionais de saúde, para os alunos, para os profissionais da mídia. Só assim, as jovens se sentirão seguras e poderão aderir de modo consciente a este valioso mecanismo de prevenção primária de doença infecciosa.

 

Caso todos os segmentos da sociedade não estejam bem informados a respeito do assunto e convencidos da importância desta prática pode-se perder uma grande oportunidade de avanço nas questões da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e no debate sobre elas.

 

A Austrália, país que primeiro implantou vacinação contra HPV de forma nacional e usando o ambiente escolar, conseguiu cobertura vacinal de cerca de 83%. Na Suécia, a cobertura vacinal contra HPV está em 32%; na Nova Zelândia, 52%; Nos Estados, Unidos 32%; na Alemanha, 40%; na Dinamarca, 85%.

 

O Brasil não é melhor nem pior do que qualquer outro país, tem apenas a sua própria cultura. É preciso estar atento a suas peculiaridades ao se lançar uma campanha desta magnitude.

 

Já estamos em outubro, logo seremos contagiados pela magia das festas de final de ano.

 

Início do ano, no Brasil, é sinônimo de verão, férias, carnaval. Muitos projetos andam de maneira lenta. Outros simplesmente não decolam. O país só volta a funcionar num ritmo normal por volta de março, quando geralmente também se reinicia o período escolar. No entanto, vale lembrar que 2014 será um ano especialmente movimentado para o Brasil. Haverá eleição presidencial, o que monopoliza a atenção de todos. Em meio à ebulição na política nacional, a mídia em geral se concentra no troca-troca de partidos, na polêmica da ficha limpa, nas pesquisas de intenção de votos, nas coligações, traições, dossiês...

 

Nos ministérios, nos governos estaduais, nos governos municipais é grande a movimentação. Muitos que atuam no poder executivo deixam seus cargos para concorrer nas eleições. Deputado estadual, deputado federal, senador, vice-governador, governador, vice-presidente, presidente da República – as disputas são acirradas.

 

Paralelamente a esta ebulição política, o Brasil sediará, em junho de 2014, a Copa do Mundo de Futebol. Logo começarão a chegar ao Brasil, para o período de adaptação, as equipes que disputarão o torneio. Mais novidades para alimentar a mídia e atrair a atenção dos brasileiros.

 

É neste cenário que se lançará a campanha para vacinação contra HPV.

 

Não se pode desconsiderar a grande experiência da rede pública de saúde brasileira no trato com campanhas de vacinação. Este é um grande trunfo que garante o tradicional êxito das campanhas de vacinação, no Brasil. No entanto, a campanha de vacinação pública contra HPV terá características bem diferenciadas. Uma vacinação que envolve escolas, injeção intramuscular, adolescentes, doenças ligadas a órgãos genitais, autorização de pais ou responsáveis não é tarefa simples e rotineira.

 

Não podemos deixar de apontar também o fato de o MS ter demorado anos para adotar esta importante prática da vacinação contra HPV. Pelo tempo que se levou para chegar a esta decisão, era de se supor que tudo foi bem pensado e planejado pelo órgão competente. No entanto, em 18 de agosto, logo, 48 dias depois de anunciar que faria vacinação com esquema posológico padrão (testado e aprovado em bula pela Anvisa) com três doses (0 dia, 2 meses e 6 meses), o Ministério decide alterar o esquema vacinal para 0 dia, 6 meses e 60 meses. (http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/noticia/13360/162/ministerio-da-saude-amplia-faixa-etaria-da-vacina-contra-hpv.html)

 

No anúncio do novo esquema posológico, o texto do MS informa que alguns países (Canadá, México, Colômbia, Chile e Suíça) o adotam. A título de contribuição, vale registrar que no Canadá este novo esquema vale apenas para duas províncias (British Columbia e Quebec), que representam cerca de um terço da população daquela nação.

 

Ao propor esquema posológico diferente, o MS vai dar margem a muita confusão na prática médica diária. Para as meninas de 11, 12 e 13 anos, teremos determinado esquema vacinal (realizado pela rede pública, apesar de não ter sido aprovado pela Anvisa); para as meninas de outras faixas etárias e para os meninos, outro esquema posológico (realizado pela rede privada e aprovado em bula).

 

Ao longo de seis anos, escutamos gestores públicos federais alegarem que faltavam estudos que apoiassem tal ação em saúde pública. Houve até dois pareceres contrários à implantação de vacinação contra HPV no Brasil, emitidos por comissões de experts constituídas pelo MS. Agora, sem estudos (controlados ou na vida real) de eficácia clínica, o MS simplesmente resolve propor um novo esquema vacinal. É possível imaginar que haverá, depois desse anúncio, um corre-corre para alterar a bula da vacina.

 

Vale ressaltar que esse novo esquema poderá trazer dados satisfatórios para a saúde pública. No entanto, não se pode dizer que seja um esquema testado e que tenha estudos publicados de eficácia clínica por mais de oito anos. Existe, sim, estudo de imunogenicidade (medidas de anticorpos no sangue periférico), mas não de eficácia clinica documentada. Isto seria difícil, já que aqueles que estão usando o novo esquema o fazem há muito pouco tempo.

 

Se o anúncio de 18 de agosto apresenta alterações que preocupam, trouxe, entretanto, uma boa notícia: a incorporação de mais uma faixa de idade (11, 12 e 13 anos), quando no primeiro comunicado restringia-se a duas faixas, 10 e 11 anos. Como um carioca, comemoro: valeu!

 

Seria muito bom que o MS lançasse agora um terceiro comunicado, mantendo a vacinação contra HPV com vacina quadrivalente, para meninas de 11, 12 e 13 anos, no esquema vigente e aprovado em bula pela Anvisa e por mais de 120 países (0 dia, 60 dias e 180 dias) e estendendo a mesma ação para os meninos de igual faixa etária. Vale lembrar: HPV é uma DST. E, em DST, as medidas têm de ser adotadas para ambos os sexos.

 

Por favor, ou por vergonha, parem de falar que o Brasil não tem dinheiro para a profilaxia das DSTs. Expliquem, por favor, ou por vergonha, de onde sai R$1 bilhão para a bolsa atleta (tendo em vista medalhas nas Olimpíadas, Rio 2016), citando apenas um exemplo. (http://www.ebc.com.br/esportes/2013/08/esporte-de-alto-rendimento-vai-ter-investimento-de-r-1-bilhao-ate-2016)

 

Independentemente das questões aqui apontadas, que temos a esperança de que serão equacionadas, devemos, TODOS, nos esforçar para que a introdução de vacinação contra HPV, na rede pública, no Brasil, tenha pleno sucesso. Assim, conclamamos todos a participarem de atividades educativas junto aos diversos segmentos da sociedade. Não podemos nem devemos deixar apenas os gestores com essa responsabilidade.

 

Temos total convicção de que com informações adequadas, verdadeiras e atuais a população terá capacidade de entender que temos de mudar o modus operandi nas questões de saúde, no Brasil, continuando a cuidar das ações de diagnóstico e tratamento, mas fortalecendo e ampliando muito as atividades de profilaxia de doenças, principalmente a prevenção primária. Como é o caso.

 

Neste sentido, desejamos oferecer contribuições que podem ser compartilhadas com profissionais da rede de atenção em saúde e rede de educação, assim como com toda a população interessada:

 

- acessando http://www.dst.uff.br/ é possível assistir ao filme Programa da Larah, HPV que bicho é esse?, baseado no livro homônimo,HPV, que bicho é esse?.

 

- acessando http://www.editora.uff.br/component/booklibrary/?task=showCategory&catid=18&start=10 é possível obter gratuitamente o arquivo digital do e-book do livro HPV, que bicho é esse?.

 

Estamos, assim, cumprindo o nosso papel de cidadão, propondo debates e nos engajando nas ações que visam promover a qualidade de vida da população brasileira.

 

Com abraços de

 

Mauro Romero Leal Passos

Professor associado chefe do Setor de DST da

Universidade Federal Fluminense

Editor-chefe de Jornal Brasileiro de DST

www.dst.uff.br

 

Fonte: Docente do Curso de Enfermagem